Quando se fala em hard-core logo se lembra de inúmeras bandas do gênero, que de certa maneira aumentaram a popularidade deste estilo musical em todo cenário da música mundial. Mas tem uma delas que revolucionou o estilo de maneira única, os Dead Kennedys. Certa vez, em meados de 1987, época em que eu tinha meus 14 anos e estava escutando uma rádio infelizmente já extinta, mas que tocava todo tipo de música (a Ipanema Fm), o locutor falou sobre os Dead Kennedys e lembro de uma fala que me marcou muito: “Dead Kennedys é loucura e morte”. Fiquei pensando: o que ele queria dizer sobre loucura e morte? Foi então que decidi pesquisar sobre os Dead Kennedys para conhecer melhor sobre os caras.
Mas como conhecer uma banda de rock, se na época não havia internet? E os únicos meios de conhecer as bandas dependiam de poder adquirir as revistas especializadas vendidas por altos valores nas bancas ou de ter poder aquisitivo maior ainda, que possibilitasse viajar para fora do país e ir aos shows que aconteciam naquela época. E eu era desprovido das duas condições, é claro. Desiludido por não poder conhecer mais sobre a banda e nem poder escutar as músicas, resolvi esquecer e ir curtindo o que havia do estilo musical por aqui mesmo, no cenário nacional. Os Replicantes estavam começando a carreira musical e, diga-se de passagem, uma bela carreira no mundo underground do hard-core.
Nesta época, o disco de vinil e as fitas cassetes eram as únicas formas de se escutar o que e quando se quisesse. Em se tratando de bandas de estilo hard-core, recorrer às rádios que tocavam esse estilo de música (se não me falha a memória havia no máximo umas 2 rádios que tocavam bandas de punk-rock e HC) significava ter que talvez esperar horas para escutar determinada banda. Nada se comparava ao prazer de ter os seus discos de vinil para escutar em casa a hora que você quisesse, e eu era um daqueles que tinha como meta todo mês adquirir um disco de vinil ou fita cassete - o que minha “mesada” possibilitasse - porque os Lp´s na época eram vendidos por valores altos.
Chegado o fim de cada mês, recebia a mesada, cujo valor nem lembro hoje, e tinha que escolher entre economizar para comprar os Lp´s ou gastar tudo na cantina da escola. Eu obviamente preferia economizar e gastar tudo nos discos de vinil. Mão posta no chamado “faz me rir”, lá ia eu direto na Prisma discos, loja que existe até hoje, especializada em música. Nessa época eu estudava no turno da tarde e algumas vezes (quase sempre) faltava algum professor e a escola liberava os alunos mais cedo. A maioria dos estudantes ia para os flippers jogar ou ficava perambulando pelo centro da cidade de Canoas (ir cedo para casa nem pensar). Eu preferia sempre ir até a Prisma Discos ver e me atualizar sobre as novidades do mercado da música. Como eu ia de 3 a 4 vezes por semana na loja, acabava por saber de todos os lançamentos e novidades que chegavam nas prateleiras. Porém, ao chegar na loja em determinado dia, me deparei com o álbum intitulado “Fresh Fruit for Rotting Vegetables” bem na entrada. Parecia que haviam colocado o álbum lá para eu comprar, e em minha mente algo dizia: “Marcelo, separamos este disco para você, basta pegar e se dirigir ao caixa”. Meu sentimento era de ter encontrado uma pepita de ouro ou algo equivalente, o verdadeiro e raro pote de ouro no fim do arco-íris, só faltava um "Leprechaun" aparecer, com seus 30 a 50 cm de altura e suas roupas verdes, para me atender.
Peguei o álbum e verifiquei tudo detalhadamente: se havia encarte, se o LP estava em perfeitas condições e se o valor daquele verdadeiro “petróleo” cabia nas minhas economias. Excetuando-se a resposta quanto ao valor, às demais eram satisfatórias, mas o preço era bem “salgado”. Porém era um investimento importante, ao menos para um garoto de quatorze anos apaixonado por bandas punks, EXTREMAMENTE IMPORTANTE. Peguei o disco e fui até o caixa, onde estava o Cláudio, dono da Prisma Discos - e não um leprechaun, ainda bem! O Cláudio era um sujeito boa praça que nos atendia sempre de forma educada e gentil, o verdadeiro “gente fina” (gíria da época). Ali gastei mais ou menos 70 % de minha mesada, mas sai com o sentimento de ter adquirido uma relíquia, fato que realmente se afirmou em seguida.
Chegando em casa fui direto ao aparelho 3x1 e coloquei o disco para “rolar” (gíria da época). Aos primeiros acordes logo me deparei com algo jamais escutado, e me veio a frase “Dead Kennedys é loucura e morte”, os caras são bons para C@#@!!o. O disco tinha diferenciais: ele era branco, diferente de todos os outros que eram da cor preta; o encarte era “gigante”, muito maior que os demais que geralmente eram do tamanho de uma folha de ofício (tinha mais ou menos um metro de comprimento). Registre-se que tenho o encarte até hoje, mas o disco infelizmente não (vendi = arrependimento eterno). Bom, o disco todo é ótimo, considerado um dos melhores álbuns de hard-core até hoje por críticos musicais e por muitas bandas (muitas até de outro gênero musical como bandas de heavy metal), e concordo plenamente. Lamento apenas a banda ter se desfeito muito cedo, os integrantes começaram a ter divergências e os Dead Kennedys encerraram a carreira após 4 álbuns de estúdio, 1 ao vivo, 1 coletânea e 1 Ep.
Em nossas vidas sempre vai haver uma referência que vai nos moldar de alguma forma, e a música no meu caso foi uma delas. Sou movido a som, amo música, e como já diria o filósofo Friedrich Nietzsche: “Sem a música a vida seria um erro”. Apesar de minha carreira de músico não ter se mantido após a adolescência (fui baterista de uma banda de hard-core chamada “Atritos”), sigo sempre conectado às novas tendências e as velhas também, pois acredito que com música se vive muito melhor. O interesse musical e pelas bandas propicia ter inúmeras e inusitadas histórias para se contar ao longo da vida. Lembrando Kurt Cobain “Se o Rock é ilegal, me enfiem na prisão”.
Marcelo Franco