.
Sim, eu sei, claro que sei. Qualquer pessoa que der sequência à leitura deste texto vai se questionar, talvez até mesmo me xingar de todas as formas possíveis. E vou compreender totalmente mesmo as reações mais expressivas, mas preciso seguir falando e discutindo sobre esse tema. A fim de facilitar esta breve abordagem, não citarei como tema destas linhas a tal palavra proibida que categoriza o assunto como tabu no âmbito social. Assim, romantizando um pouco a fim de tornar a leitura mais leve, “light”, adotarei o termo finitude humana. Um dos únicos tabus que persistem em atravessar os tempos, e persiste como algo que afronta a vida das pessoas, um fenômeno dito como negativo, sombrio, funesto, sinistro, trágico, e qualquer outro tipo de adjetivo que possamos relacionar para algo visto como inegavelmente ruim. Mas a morte tem outros sentidos que de certa forma a sociedade nega, talvez para perpetuar o véu que encobre e torna misterioso o verdadeiro sentido de nossas vidas. Falar (ou escrever) sobre finitude implica intrinsecamente abordar a vida, o transcorrer do tempo de vida e as motivações que permitimos que nos impulsionem rumo ao seu esgotamento. Esta correlação é tão íntima que todos os aspectos relacionados ao tempo de vida como idade, envelhecimento, legado dos falecidos antepassados acabam por serem evitados ou tratados com mínima ênfase, dada a influência do tabu existente que relaciona o conceito de finitude apenas a aspectos extremamente ruins. Aliás, sendo as redes sociais reflexo dos valores que são exaltados, facilmente é possível compreender o que move a vida atualmente, quais as reais necessidades e excessos da maior parte da sociedade em que estamos inseridos. Ao exalar muito narcisismo, egoísmo e falta de EMPATIA, entre outros tantos maus valores (e alguns poucos genuinamente bons, é verdade!), percebe-se quão preocupadas em "parecer" estão as pessoas, enquanto, salvo melhor juízo, deveríamos estar preocupados em "ser", diante do cronômetro que nos impedirá a continuidade de existência, em um dia e hora qualquer. Parecer é imagem, embalagem, não permite que se transmita conteúdo de significado associado a bom valor. É apenas quando os bons valores que emolduramos diariamente estão contidos em nossa essência que criamos bom conteúdo, de fato. Parecer está relacionado ao outro, não a si mesmo e por si só já denota o quanto a maior parte de nossa sociedade não está preocupada em conhecer e entender a si mesma e seus fenômenos.
A morte é um fenômeno sobre o qual não temos controle, não dominamos, faz parte do desconhecido, do obscuro, do duvidoso, do contestável, etc. Carregamos esse temor pela morte, pura e unicamente por sua negação que a associa a significados ruins e a perpetua como tabu, dificultando a aceitação do tema em nosso quotidiano. As perguntas sem respostas são inúmeras, e uma delas é “o que tem lá do outro lado?” ou “o que vem depois?”. Toda essa incerteza nos causa angústia e consequentemente medo, que é um sentimento natural frente a algo desconhecido ou mesmo indomável.
Por ser um momento singular e intransferível não vamos vivenciar esse fenômeno mais de uma vez, e mesmo assim ele pode acontecer de inúmeras maneiras, desde um simples dormir e não acordar, passando por um escorregão no meio fio que faz bater a cabeça num paralelepípedo, até um acidente de automóvel. Não sabemos quando e nem como realmente vai acontecer e é isso que nos deixa intrigados, curiosos e com medo. Não é por acaso que vários filmes e seriados de televisão abordam o tema do ser imortal, esse desejo ou mesmo fascínio de viver eternamente ronda a mente humana. Pois, se pararmos para pensar, a morte nos ronda desde que nascemos, e rechaçamos essa possibilidade em nossas vidas, evitamos falar sobre ela até mesmo com a desculpa de que se tocarmos no assunto, ela aparecerá, e com isso mantemos firme o tabu com relação à morte. Mas estamos caminhando em direção à morte desde que nascemos. Martin Heidegger discute isso de forma brilhante no livro “Ser e tempo”.
Mas por outro lado, se constantemente de forma consciente e incessante pensássemos na morte, não teríamos a mínima condição de realizarmos nossas tarefas diárias, o viver seria prejudicado, pois ficaríamos neuróticos de tanto pensar em como seria esse encontro e não faríamos mais nada com medo de que o fenômeno pudesse acontecer a qualquer momento. Mas de maneira inconsciente ela estará sempre presente e essa necessidade de perpetuar a vida, é expressa de várias maneiras, demonstrando assim o medo que a morte nos provoca.
Não quero me estender neste pequeno texto, mas lembro que quando nos deparamos com a realidade de que um dia não vamos mais existir, passamos por crises pessoais e é justamente nestes momentos que começamos a pensar no sentido de nossas vidas. E qual meu propósito em postar um texto como esse em pleno fim de ano, um momento de muitas festas e alegrias, onde “parece” que todos estão “oceanicamente” felizes ? Apenas lembrar que somos finitos, que podemos comemorar o fim de ano tranquilamente, mas de forma comedida, não cometendo excessos e muito menos imprudências, que, mesmo que cometidas a qualquer (e por um breve) momento, podem deixar marcas para o resto de nossas vidas.
Desejo uma ótima virada de ano a todos e que 2024 possa ser de muita paz e harmonia. E que possamos ver guerras e outras consequencias catastróficas apenas nos filmes de ação, de maneira a conscientizar nossa sociedade acerca dos valores que nos conduzem e da monstruosidade de nossas escolhas que constroem nossa reputação e legado.
Imagem 1: https://termita.pt/wp-content/uploads/2022/11/a_imagem_tempo_cinema_2_gilles_deleuze.png
Imagem 2: https://br.pinterest.com/pin/594404850836980725/
Imagem 3: https://br.pinterest.com/pin/492649952230514/
Imagem 4: https://img.wook.pt/images/a-imagem-movimento-gilles-deleuze/MXwxODgyMzI5OXwxNDU0NTczNnwxNDc0OTkzMjQwMDAw/550x
Nenhum comentário:
Postar um comentário