Uma lenda é contada através dos tempos, modificando-se
pela imaginação do povo, que aos poucos acaba por delinear novos contornos à
tradição. Quando falamos do personagem fictício “Capitão América”, logo vêm à
tona em nossa mente adjetivos originados por seus feitos, seu modo de ser, sua
bravura e espírito guerreiro. Nas
histórias em quadrinhos sempre foi um homem que arriscou sua vida por seu país,
o que por si só já o fez ser considerado um herói.
Quando sentimos a perda
de alguém querido, passamos por algumas fases, chamadas fases do luto. Na história
fictícia “Morre uma lenda” a situação de perda da figura do Capitão América, vivenciada
pelos heróis envolvidos nessa trama, evidencia que as fases do luto estão
presentes nos sentimentos dos outros heróis e que, por mais que sejam
super-heróis, eles também têm sentimentos iguais aos de pessoas comuns.
Desde o início da
história, podemos presenciar os heróis perdendo o controle dos sentimentos e
deixando as emoções falarem mais forte. A morte de Steve Rogers é mostrada como
um episódio importante e muito triste, principalmente para os seguidores e
amigos do Capitão América. O enredo se desenvolve de forma bem pesada a partir
deste tabu da sociedade chamado, “a morte”. Capitão América é assassinado e sua
morte se torna um mistério, pois nem as autoridades e nem os heróis conseguem
descobrir quem foi o autor dos disparos que mataram o herói, fato que torna a
trama mais misteriosa e enigmática.
As fases do luto tornam
o indivíduo mais suscetível a sentir-se fragilizado nesse processo, no qual os
sentimentos se mostram mais fortes que nossas próprias vontades os quais, por
vezes, tornam a situação temporariamente fora de controle. A negação, raiva,
barganha, depressão e a aceitação se constituem etapas emocionais subsequentes
e decorrentes do episódio da morte de alguém querido.
Já no início
da história a negação toma conta de alguns personagens, que por não aceitarem a
morte do Capitão América, sentem dificuldades em assimilar os fatos que
envolvem a tragédia. Nesta etapa, este sentimento leva o personagem Wolverine à
atitudes extremadas, em busca da identidade do assassino de Steve Rogers, negando
totalmente o ocorrido.
Na sequência dos capítulos são apresentadas as fases
seguintes do luto, surgindo a raiva como a forma da impossibilidade do ego em manter
a negação e o isolamento. A pessoa expressa sua raiva pelo fato que ocorre, projetando
no ambiente externo toda sua revolta com o acontecido. Nesse momento da
história, alguns personagens estão jogando pôquer, tentando se distrair de
alguma forma, para esquecer o momento difícil, o que não acontece com certeza,
pois externam sua raiva por qualquer motivo que venha a surgir durante o jogo, externando
de maneira intensa e desproporcional este sentimento, diante de eventuais motivos
fúteis.
Sempre é
muito difícil aceitar a morte, é um acontecimento sempre indesejado em qualquer
contexto, sendo que algumas pessoas conseguem encarar esse fenômeno com
naturalidade e outras nem tanto. Então, quando se percebe que o sentimento de
raiva não teve sentido algum e a negação também não alterou a situação, aparece
a barganha. Neste momento se busca uma forma de negociar com o inegociável,
imutável. Em nossa história, esta fase do luto é nitidamente apresentada na
figura do Homem de Ferro que, em determinada situação, faz uma proposta astuta
para o Gavião Arqueiro, na qual idealiza se tornar o Capitão América e, assim,
tentar enganar a população e diminuir de alguma forma o sentimento de perda.
Mas Gavião Arqueiro, apesar de chegar a avaliar a proposta, acaba não a aceitando
em consideração e respeito à figura do Capitão América.
Que o Homem Aranha sempre
foi fã um do Capitão América isso já se sabe, e com ele as fases não seriam
diferentes. Nosso jovem herói fica preso à fase da depressão. De forma
introspectiva e isolada, ele passa pela fase de sofrimento profundo. Tristeza,
desolamento, culpa, medo e desesperança, são emoções comuns nessa fase. Nesta
etapa, a pessoa fica introspectiva, fragilizada e acaba se isolando de tudo e
de todos. É um comportamento posterior e natural, após tornar-se evidente a
constatação de que negar não resolveu, se revoltar também não e de que a
barganha não teve efeito. Como caminho natural, restando somente o sentimento
da perda, adentra-se na fase da depressão.
Na fase seguinte do
luto, em razão do tempo e das vivências por ele trazidas em cada fase do luto, as
emoções já não estão à flor da pele, Os envolvidos entram na fase de aceitação.
Os Vingadores, O Quarteto Fantástico, os Jovens Vingadores, pessoas famosas e
outras menos famosas se fazem presentes na despedida do Capitão América, e a
realidade da morte não se tem mais como negar. O que interessa nessa fase é que
a pessoa se permita viver a aceitação em paz e com dignidade, o que não a
constitui ou caracteriza essa fase como um estágio feliz, mas sim como uma etapa
final na qual não se identifica a expressão de sentimentos de forma intensa.
Em “Morre uma lenda”, podemos notar que as fases do luto aparecem de
forma organizada, mas isso não equivale dizer que as fases vão ocorrer sempre
de forma sequencial para todos, pois podemos vivenciá-las de forma desorganizada. Pode-se ir direto a fase da barganha, e em
seguida retornar a fase inicial da raiva sem algum motivo aparente, pois cada
pessoa vai ter uma forma singular de encarar a morte.
Marcelo Ávila Franco
*Capitão
América: Morre Uma Lenda. Coleção Oficial de Grafic Novels Marvel, Nº51. São
Paulo, SP: Editora Salvat do Brasil Ltda, 2014.
*Kübler-Ross, E. Sobre a morte e o
morrer: o que os doentes têm para ensinar aos médicos, enfermeiras, religiosos
e aos seus próprios parentes. São Paulo, Martins Fontes, 1996.
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