Que
as histórias em quadrinhos podem assumir um importante papel no desenvolvimento
cognitivo e intelectual do indivíduo, já está comprovado. Mas, além disso, as
HQs continuam se destacando no campo educacional, onde as imagens e as sequências
de desenhos atraem e auxiliam de forma singular a melhorar o desenvolvimento do
indivíduo na medida em que agrega vocabulário e acrescenta maior agilidade ao
seu raciocínio.
A
Arte sequencial, área pertinente ao estudo e pesquisa dos quadrinhos, permite
que de alguma forma a criança, mesmo antes de aprender a ler, compreenda o
sentido da história animada. Os
quadrinhos ajudam a criança pensar melhor, aguçam sua observação, aumentam a
concentração, desenvolvem a criatividade e a ambientam com as letras e outros
sentidos cognitivos.
Mas
podemos enfatizar que não apenas as crianças e adolescentes se aproveitam da
leitura de quadrinhos. Hoje, com o crescimento dos tipos de HQs e surgimento das
diferentes linhas e estilos de histórias, outra faixa etária está se interessando
e beneficiando com esse tipo de leitura, os adultos. Atualmente já encontramos
lojas especializadas em histórias direcionadas ao público adulto, que é um
forte consumidor de HQs e seus diversos formatos.
Entre
os formatos de HQs, existe um que é interessante pelo seu formato que vem
sempre desenhado em preto e branco, trata-se dos Mangás, que são de origem japonesa e seu consumo cresce
absurdamente entre os apaixonados por quadrinhos. Nessa linha podemos citar uma
versão do livro A interpretação dos
sonhos de Sigmund Freud, que traz de forma interessante o início das
pesquisas desse importante psicanalista, em versão mangá.
A interpretação dos sonhos,
de Sigmund Freud é um livro onde o psicanalista pesquisa os sonhos dos
pacientes. A edição da obra que irei comentar é mais singular, pois consiste em
uma versão pocket em quadrinhos, ou melhor, dizendo, em Mangá, um gênero de
história que mescla a cultura japonesa clássica com as HQs ocidentais.
Nessa
versão pode-se conhecer um pouco da história de Sigmund Freud, desde o início
de sua carreira como estudante e pesquisador. Narra sua dificuldade em descobrir
o que acontecia com pacientes que se diziam doentes, quando os médicos da época
não acreditavam em suas doenças, pois não entendiam o que se passava, e
atestavam “eles não tem problema algum,
mas sentem sintomas de doença por imaginação ou fantasia” (pag. 15). Os
conflitos com outros pesquisadores da época que discordavam das ideias de Freud,
passando por seus próprios conflitos pessoais e sua auto avaliação também são
abordados pelo autor. Além disto, o livro contém relatos de palestras que iniciaram
os estudos da psicanálise em 1917, originando conceitos que deram fundamento a
outros títulos importantes como “O mal-estar na cultura” (1930). O mangá reúne
algumas das principais ideias do psicanalista, que explora a vida em sociedade
e o inconsciente, não deixando de citar passagens importantes da trajetória deste
importante pensador que viveu sua vida para o estudo do comportamento humano.
Essa obra consubstancia o limite entre os artigos pré-psicanalíticos de Sigmund
e o início da psicanálise.
O
formato da publicação, com aparência de quadrinhos, inova e desperta a atenção
dos adolescentes, motivando a leitura, levando ao mundo do adolescente um texto
mais solto e leve, mas não menos comprometido.
Sigmund Freud nascido em 6 de maio de 1856 na Áustria, hoje República Tcheca, era filho de Jacob Freud e Amalie Nathanson, que tinham origem judaica. Freud casou-se com Martha Bernays com quem teve seis filhos, entre eles Anna Freud, futura psicanalista. Podemos descrever informalmente o quotidiano de Freud como o de um homem que trabalhava por longas horas e adorava ficar com os filhos durante as férias de verão.
O
jovem Freud desde cedo demonstrava que seria um grande pesquisador, seu empenho
e dedicação nos estudos mostravam o que o futuro psicanalista desejava. Sua
esposa mostrava-se uma mulher dedicada ao lar, possibilitando que o esposo se
dedicasse ao máximo às pesquisas e casos, o que lhe tomava o maior tempo de seu
dia-a-dia.
Essa
história em versão mangá, que tem a
tradução da versão japonesa feita por Drik Sada, é dividida em seis capítulos, que
evoluem desde a introdução da psicanálise, abordando o desbravamento da mente e
a interpretação dos sonhos, seguindo através da abordagem dos movimentos da
psicanálise, até culminar com desfecho que ressalta o teor de “O mal-estar na
cultura”. No início, Freud é um simples estudante de medicina, que junto a
outros médicos tentava desvendar os mistérios e possíveis causas de doenças
ainda não entendidas pela medicina da época. Ganhou uma bolsa de estudos, mas
por ser judeu descobriu que nesta instituição teria dificuldades para
desenvolver suas pesquisas e ser aceito como outro estudante qualquer “Não há talento que alcance o sucesso num
ambiente que não o reconhece” (pag. 28).
O
mangá segue mostrando as dificuldades do jovem cientista em descobrir o que
realmente acontecia aos pacientes que sofriam, mostrando-o sempre dedicado e de
certa forma obcecado pelo conhecimento e por futuras descobertas. Ele viaja
para Paris, onde participa dos seminários do professor Charcot que estuda
sintomas de histeria por meio da hipnose. Freud não consegue as respostas que
procura, mas a experiência foi válida e nosso jovem Freud segue estudando a
mente humana e volta para casa, momento a partir do qual começa a atender
pacientes.
Histeria vem do grego “Hysteron”, médicos da época se valem de termos antigos para vincular os termos científicos. Freud segue seus estudos, mas encontra resistência de alguns colegas da época, o que lhe faz se dedicar ainda mais aos estudos. Nisso surge o caso de “Anna O”, que se tornaria um ponto importante para as futuras descobertas do jovem Freud, que segue atendendo seus pacientes segundo suas convicções e estudos particulares.
“Sinta-se livre. E vá contando o que vier à cabeça. Por mais banal que seja. Pode tentar associar uma coisa a outra, para ir recordando” (pag. 109). Assim começavam as sessões de Sigmund Freud, chamando futuramente de “livre associação” ou “associação livre”. Com o desenrolar da história, Freud consegue aprimorar o método e fazer descobertas muito importantes para a ciência, batizando a metodologia por ele desenvolvida de “Psicanálise”.
Ao longo do mangá, seguem aparecendo às descobertas do jovem Freud, tais como relação do complexo de Édipo e conceitos fundamentais como Id, Ego e Superego, além de outros como os relativos à Narciso, sublimação e negação. Além do seu rompimento com o jovem Carl Gustav Jung, que já não tinha a mesma sincronia para futuras descobertas, as pequenas diferenças conceituais entre eles não puderam ser mais ignoradas, fazendo cada um seguir o seu caminho.
Freud
ainda enfrentaria a primeira guerra mundial, “Era a eclosão da Primeira Guerra Mundial..... uma batalha que expôs
todo o instinto cruel que o homem, ao longo da história, foi incapaz de
domesticar”. (pag. 191) Sigmund
Freud após todas essas dificuldades seguiria com suas pesquisas, seminários e
palestras ao longo de sua vida.
Marcelo Ávila Franco
*A
interpretação dos sonhos / Sigmund Freud; 1. ed. – Porto Alegre, RS: L&PM,
2015.
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