quinta-feira, 20 de junho de 2024

A Finitude Cultuada com muita vida e memória – “Dia de Los Muertos”

 


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Sabemos que a morte é um momento marcante para todo ser humano, sendo tanto sua aceitação quanto o ritual dela decorrente distintos, de acordo com a realidade sócio-histórico-cultural na qual inserida. Mas para o povo mexicano este instante é vivido de maneira mais original, se tornando para eles uma celebração com rituais marcantes que denotam um respeito singular com relação à finitude humana. Na cultura mexicana, no dia de celebração dos mortos acontecem festividades que envolvem muita música, comidas tradicionais, bebidas, flores, rituais e muita alegria. Basicamente é uma comemoração à vida e memória dos que já se foram e não se fazem mais presentes, uma verdadeira homenagem àqueles que morreram, mas jamais foram esquecidos. O modo através do qual os mexicanos demonstram sua consciência com relação ao fenômeno da morte demonstra um verdadeiro sinal de respeito e exaltação pela vida e memória de seus falecidos.

Os cemitérios são visitados principalmente no dia 02 de novembro, quando as pessoas vão até os túmulos dos entes queridos e além de limpar e colocar adornos, enfeitam com papéis picados coloridos, acendem velas e fazem homenagens de maneira satírica, mas sempre respeitosa.

A morte não é apenas um termo qualquer, de conceito fechado e intransponível ao tempo e lugar. A visão que se tem sobre ela é resultado de sua interpretação diante de aspectos lastreados em vários outros conceitos e crenças, dependendo de quando e onde o ser esteja inserido. Devemos lembrar que a morte é um momento real e não surreal, sendo que, em certos países, ela é contemplada de maneira sagrada, sendo conduzidos rituais bem interessantes.

Tomemos como exemplo o México, um país que comemora o “Dia de los Muertos”; celebração de origem indígena que homenageia no Dia dos Mortos a vida de todos os nossos ancestrais, aqueles que já não estão mais presentes entre nós, mas cujo legado é eternizado através da data. As pessoas vão até os cemitérios para lembrar e celebrar a memória e legado dos ancestrais mortos, limpando suas lápides, levando oferendas e flores, enfim, organizando todo local para manter a memória daquele familiar que já se foi. Podemos notar que, a cultura mexicana demonstra um respeito e apreço pela morte: “como diz Voltaire, que o homem sabe que há de morrer. A morte humana é um conhecimento do indivíduo”.

O Dia dos Mortos no México é uma festa que representa a cultura mexicana reconhecida mundialmente. Diga-se de passagem, o olhar mexicano acerca do fenômeno da morte traduz uma mescla de respeito, medo e fascínio, pois exalta a vida ao homenagear a memória dos falecidos, sempre de maneira respeitosa ao comemorarem as lembranças boas que estes mortos produziram em vida. Esta festividade mexicana, retrata a forma através da qual os mexicanos enxergam a morte. Existe ali uma devoção, representada inclusive por oferendas carregadas de comidas deliciosas e típicas do país, além de fotos e objetos que simbolizam os gostos e habilidades que se exaltaram em vida, tudo preparado com muita dedicação, carinho e respeito. Apesar de se tratar sobre o tema morte, esta festa é celebrada de maneira alegre, devido ao enaltecimento coletivo acerca da positividade da vida, em detrimento da saudade e negatividade geralmente atribuídas à morte do ancestral. Outro ponto interessante nesta festa é a forma com que os mexicanos a conduzem, sempre regada a muita comida e bebida, sendo que algumas pessoas chegam a deixar bebidas alcoólicas no panteão, acreditando que os mortos podem sair à noite e consumir os alimentos e as bebidas que são ofertadas para eles.

Arquivo pessoal

Podemos dizer que é uma festa totalmente original e nada convencional, pois em um primeiro momento para quem não está acostumado é muito estranho festejar a morte de um ente querido ou ancestral através de todos esses rituais. Mas após alguma observação e análise podemos entender a comemoração como manifestação de respeito pela vida e legado do falecido, aparada na crença de que a morte não é mais que uma passagem para outro plano, e que por isso, não põe fim ao sentimento, respeito e/ou carisma por quem já se foi, dignos de uma celebração.

O povo mexicano agrega um sentido à finitude através da elevação do sentido do viver. Sabemos que não é fácil enfrentar as perdas que a vida nos impõe e que a cada instante estamos morrendo um pouco mais, mas isso faz parte do ciclo vital. Na  atualidade se vive pensando somente no presente, essa resistência de negar a morte ou mesmo enxergá-la como uma afronta a nossas vidas, apenas nos torna menos preparados ao bem viver e mais suscetíveis a um maior sofrimento diante dela. A fantasia do indivíduo de se tornar eterno é apenas uma vontade que, pela natureza humana, será muito difícil tornar-se realidade. Ressalte-se, mesmo que provável seu acontecimento, traria muitos prejuízos para a sociedade como um todo.

Edgar Morin afirma que de certa forma a morte não é vista como um sentimento traumático. Assim trazemos a maneira de pensar dos mexicanos que vão contra a forma comum da maioria das culturas, que cultuam apenas a vida enquanto vivos e sem aceitar a finitude. Os mexicanos entendem a finitude através de um viés totalmente contrário à concepção dominante atualmente. Eles aceitam que a morte é um fenômeno presente e que envelhecer faz parte da vida humana e que, por isso, sofrer por essas razões se torna algo fora de uma verdadeira realidade. O evitamento da discussão sobre o morrer tornou-se uma tradição que se perpetua através dos tempos, tornando o homem cada vez mais resistente à reflexão que conduziria a um maior entendimento e consequente aceitação da finitude, bem como a um melhor viver.

O ser humano em geral segue de todas as maneiras tentando burlar a morte, muitas vezes mentindo para si próprio, tentando fugir do inevitável, seja através do simples adiamento de uma viagem ou mesmo ao viver uma vida de forma inconsequente ou desorganizada, não validando a possibilidade de seu acontecimento, enquanto vivo. Inclusive, com muita frequência verifica-se que esta falta de consideração da hipótese de morte ao longo da vida do indivíduo acaba por trazer muitos problemas de ordem prática aos que sobrevivem após o falecimento. Este medo todo de considerar a alternativa de morte ao longo da vida demonstra uma angústia em geral atrelada ao sentimento de não querer antecipar o que pode ou mesmo vai acontecer. O ser só enxerga a finitude como real quando tem a possibilidade de se deparar com ela e esse enfrentamento só acontece quando se chega de forma próxima e consciente diante da morte.

Assim, a festa do dia dos mortos pode ser vista como uma forma de cultuar o ciclo vital, um momento de preparar o ser para a finitude, dando continuidade à existência humana através do enaltecimento da existência dos ancestrais, lembrando que o ciclo tem um início, meio e fim, e que isso não pode ser alterado, apenas vivenciado. Aflorar na consciência humana pensamentos sobre a finitude é importante pois é somente este o caminho para o ser humano entender melhor a finitude, que é mortal e que isso é parte imutável da natureza humana.

Marcelo Franco

Bibliografia:

ARIÈS, P. O homem diante da morte. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

MORIN, E. O homem e a morte. Rio de Janeiro (RJ): Imago, 1997.


2 comentários:

  1. Finitude! Ah,a finitude,que faz sofrer a quem fica por aqui...

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    1. Ciclo natural de nossas vidas. Creio que a finitude sempre será um tema complexo e cheio de indagações.

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