quarta-feira, 5 de junho de 2024

O vazio e o luto

 

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          Quando sentimos a perda de alguém querido enfrentamos, após, o vazio que se faz presente. O filme “Um ninho para dois” retrata o sofrimento de um casal após a perda de uma filha. Lilly e Jack estão em condições diferentes, mas vivenciando o mesmo sentimento. O casal enfrenta o vazio que se faz presente e o luto, que é inevitável. O casal demonstra a perda do controle de seus sentimentos e deixa as emoções falarem mais forte diante da morte da filha, fato que representa ainda uma inversão do ciclo da vida, gerador de uma dor que não se pode mensurar. Somente alguém que vivencia esse triste fato pode dizer o quanto é sofrível enfrentar esta situação.

            Lilly se mostra mais organizada emocionalmente seguindo a rotina de trabalho, mas o vazio e a tristeza se fazem presentes durante todo seu dia; já Jack resolveu se internar, pois demonstra culpa pelo ocorrido e maior fragilidade emocional. Ambos estão em luto, processo que torna o indivíduo mais suscetível a sentir-se fragilizado e no qual os sentimentos se mostram mais fortes que a própria vontade levando, por vezes, as situações a se tornarem temporariamente fora de controle.

            As fases do luto (Kubler-Ross, 1998) se fazem presentes na vida de ambos, a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação serão inevitáveis, vão se constituir em etapas emocionais subsequentes e decorrentes do episódio da morte do ente querido. A negação que é o primeiro estágio do processo toma conta de ambos, pois tentam negar que o fato tenha ocorrido, nesta fase o indivíduo ganha tempo para elaborar o que aconteceu, evitando assim um choque de realidade, a dificuldade de assimilar este fato que é advinda da situação trágica. Neste momento também podemos verificar atitudes que podem chegar ao extremo, negando totalmente o ocorrido, como no caso de Jack que tentou suicídio.

A partir daí a raiva aparece, como a forma da impossibilidade do ego em manter a negação e até mesmo o isolamento. O indivíduo vai expressar sua raiva pelo ocorrido, e vai projetar no ambiente externo toda sua raiva e revolta com o que aconteceu. A raiva pode ser externada por qualquer motivo, onde o indivíduo por muitas vezes nem sabe por que está tendo certa atitude agressiva e acaba por se arrepender depois. Lilly externa raiva em vários momentos do filme, de maneira desproporcional e intensa, diante de motivos fúteis, mas se arrependendo logo após.

O vazio deixado por alguém que se foi e que não vai voltar se torna muito difícil de aceitar, tendo em vista tratar-se de acontecimento indesejado e não escolhido. Algumas pessoas não conseguem encarar esse fenômeno de maneira natural e enfrentam maior dificuldade de aceitação e com isso o luto leva mais tempo para passar. Quando se percebe que o sentimento de raiva não tem mais sentido, aparece a barganha, onde se busca negociar o inegociável, mas ela se faz presente para todos que atravessam um luto. De alguma forma, a negociação é a busca por algo que não é possível, possibilitando assim manter uma visão não realística dos fatos, mesmo tendo iniciado de certa forma a aceitar a realidade. A barganha só é possível iniciar em pessoas que já estão começando um contato razoável com a realidade.

A depressão, que é a quarta fase deste processo, é um estágio no qual a pessoa está elaborando o luto, a tristeza, sofrimento intenso e a introspecção são intensas. É a fase do sofrimento profundo, do medo, da desesperança, do desolamento, emoções que são comuns dentro do estágio depressivo. Vemos aqui um comportamento natural, pois é evidente a constatação de que, negar não resolveu nada, se revoltar muito menos e de que tentar negociar o inegociável não teve efeito, o caminho natural é o estágio da depressão, onde outro sentimento que se faz muito presente é o da perda.  

Na fase seguinte do luto, teremos a aceitação, onde em razão do tempo e das vivências trazidas por cada fase, não resta mais nada ao indivíduo senão aceitar o ocorrido. Esta é a fase onde a pessoa se permite viver a aceitação e uma paz interior se faz presente, o que não a caracteriza como uma fase ou estágio feliz, mas uma etapa final. Só chegam a esse estágio os pacientes que passaram pelos estágios anteriores, lembramos que a chance disso ocorrer é maior se o indivíduo tiver apoio durante todo processo.

No caso da Lilly e de Jack, ambos necessitam de apoio psicoterapêutico, pois demonstram sofrimento e fragilidade emocional, cada um com suas características e formas de ver o ocorrido.  É fundamental que o processo de luto não seja bloqueado, pois é um processo natural do ser humano, não devendo ser reprimido. Segundo Lothar, para que se tenha um processo sadio se faz necessário que não seja reprimido o luto, pois só assim o indivíduo consegue se desintoxicar e possibilitar a si um novo começo. O luto quando reprimido pode se transformar em transtornos psíquicos e doenças futuras. Uma escuta ativa se faz necessária, pois ao escutar atentamente o indivíduo, demonstramos que estamos dando o devido valor a sua dor, e segundo Lacan, a presença do terapeuta já é terapêutica.

No filme, notamos que os personagens tentam de forma singular buscar um novo começo, mas precisamos lembrar que cada indivíduo age e pensa de maneira diferente e o tempo de cada um deve ser respeitado. A fase da readaptação vai surgindo aos poucos, o enlutado vai se reorganizando de forma gradativa, e começa e reencontrar alegria em certas atividades, o que não é diferente com Lilly e Jack. Lilly em certo momento se desfaz dos móveis da filha, trocando por uma poltrona velha, nesta cena é nítido que a personagem está se proporcionando uma nova chance. Aqui se nota um sintoma de que o enlutado está começando um processo de ordenamento de seu caos interior e optando por viver novamente. Até porque o enlutado ao se libertar interiormente consegue deixar o falecido repousar em paz.

Uma vez devidamente vivenciadas todas as etapas do processo de luto, constata-se, ao término - como no final do filme -, pessoas libertas para buscarem novas ligações afetivas e readaptando-se a uma nova vida. 

Marcelo Franco

       

Bibliografia:

·       Kubler-Ross, E. (1998). Sobre a morte e o morrer. 8º Ed. São Paulo: Martins Fontes.

 

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