terça-feira, 25 de abril de 2023

Charles Bukowski: sozinho com todo mundo


Podemos iniciar dizendo: seu jeito provocativo e pessimista retrata um pouco da negação social. Estamos falando de Henry Charles Bukowski. Nascido na Alemanha em 1920, aos três anos de idade Bukowski mudou-se com seus pais para os Estados Unidos, onde viveu a maior parte de sua vida, mais precisamente em Los Angeles. Poeta, romancista e contista, possui uma vasta obra literária que infelizmente ainda não foi totalmente traduzida para nosso país. Ficou conhecido por sua literatura transgressiva e provocadora e, diga-se de passagem, para quem nunca leu um conto do autor, “se você faz parte das massas, nem chegue perto”. 

Seu codinome “Velho safado”, traduz a temática que Bukowski aborda em sua literatura. Levantando a bandeira contra uma sociedade capitalista e hipócrita, Charles sempre foi avesso a tudo que vai ao encontro das massas, que elevam heróis idiotas e se espelham em pessoas vazias que apenas seguem uma tendência sem se questionar o porquê de tal comportamento.




Abordando em seus textos a falta de sentido da existência, a falta de esperança e desilusão nas relações, Bukowski é crítico e sincero em seus escritos. Em certa feita, foi perguntado sobre o que é o amor, então respondeu após acender um cigarro: “é como quando você vê a névoa de manhã, quando você acorda antes do sol nascer. É como um breve instante que depois desaparece”. Aqui podemos ver Bukowski sendo Bukowski. Com um formato simples de escrever ele cativa os mais singulares leitores, desagrada muitos enquanto encanta outros tantos. Influenciado por Fiódor Dostoiévski e Ernest Hemingway, seus livros são curtos mas impactantes aos olhos de quem os aprecia.

Na poesia “O pássaro azul” ele retrata bem a condição da face humana, denotando o quanto sufocamos nossos impulsos frente a uma condição do mundo exterior que foi construída de maneira meticulosa. Ele é duro demais com o pássaro azul que está em seu peito, mantendo-o aprisionado para que ninguém o veja. Se auto intitulando Henry Chinaski em suas histórias, Bukowski escreveu sobre o amor, sobre gatos, corridas de cavalos, os bares, mulheres, música clássica, brigas, sexo, drogas, bebida e o cotidiano dos que vivem contra as regras de um mundo falso e consumista. 

Bukowski sempre renegou o título de escritor ‘beatnik”, fazia questão de deixar claro que não fazia parte de nenhum movimento literário, se recusando a falar com William Burroughs, um dos famosos escritores da geração beat. Deixou claro que preferia seguir contando suas estórias nos subsolos do cotidiano social, trazendo muitas vezes um teor autobiográfico em seus livros, recheados de contos com narrativas surpreendentes que em geral demonstram um sincero sarcasmo. Aqui me vem à mente o primeiro livro que li de Charles Bukowski, à época de meus 15 anos, “Fabulário Geral do Delírio Cotidiano”, um livro que guardo até hoje com muito carinho. 

Bukowski foi esse escritor que segurou seu pássaro azul em seu peito, que deixava o pássaro sair muito raramente durante a noite, para que ninguém visse este lindo pássaro voar. Da obra do autor pode-se depreender que Bukowski não queria revelar sua sensibilidade e ternura como pessoa aos que viviam em seu entorno, percebe-se que esta é uma faceta que o velho poeta safado fazia questão de esconder. Viva o pássaro azul.

Marcelo Franco



domingo, 23 de abril de 2023

Sobre amanhã ainda nem pensei

 


.

Os anos 80 representam um marco para a música, trata-se da década que revelou grandes bandas no Brasil e no Rio Grande do Sul. Aqui pelas bandas dos pampas, uma dessas bandas se destacou por sua irreverência, criatividade, polêmicas, radicalidade, transgressões e por se mostrar uma além do seu tempo, trata-se da banda DeFalla. Biba Meira (bateria), Carlo Pianta (baixo) e Edu K (vocais e guitarra) formaram o De Falla e participaram da coletânea “Rock Grande do Sul” - diga-se de passagem, este disco é uma verdadeira raridade em termos de música dos anos 80. Pouco antes do primeiro LP da banda, Carlo Pianta deixou o grupo, ingressando em seu lugar Flávio Santos. Nesta época houve também a entrada de  Castor Daudt (guitarra), consolidando assim a formação clássica do DeFalla. Com esta formação eles gravaram dois Lps: Papaparty (1987) e It’s Fuckin’to Borin’ to Death (1988), álbuns que traziam uma sonoridade diferente para a época, ambos gravados pelo selo Plug. 

Com um estilo totalmente eclético e confrontador, o DeFalla foi ganhando espaço e reconhecimento no cenário gaúcho e nacional. Usando de muita maquiagem e produção, a banda foi deixando sua marca pela imagem e a música, muitas vezes chamada de experimental e esquisita. Quanto à imagem, o visual arrojado do De Falla era sempre uma surpresa a cada show, sendo sempre uma incógnita o figurino a cada apresentação. Ressalte-se aqui o visual do vocalista Edu K, que se vestia de maneira muitas vezes andrógina, confrontando e provocando a sociedade conservadora da época, algo que pode ser visto atualmente como uma postura além do seu tempo (isso para os não preconceituosos). Acerca da música, uma das marcas do grupo foi a inovação na sonoridade da banda a cada novo disco lançado, indo do funk ao metal, entre tantos experimentos. Outra curiosidade que o grupo apresentou foi tocar com duas baterias ao vivo (algo bem legal), show que não tive a oportunidade de ver.

Aliás, quanto ao que pude presenciar da banda, relato sucintamente a minha experiência no ano de 1992, quando fui ver uma apresentação da banda no espaço do antigo auditório Araújo Viana, no lançamento do álbum Kingzobullshitbackinfulleffect92. Havia toda a expectativa de assistir uma performance de guitarra, baixo e bateria, e então o DeFalla aparece fazendo uma mistura de funk metal com bateria eletrônica. Desnecessário dizer que diante do impacto, simplesmente meu pensamento imediato foi de questionar sobre onde estavam os caras e a banda que eu esperava ver se apresentar. Minha limitação de entendimento na época apenas me deixou irritado e muito indignado, chegando a dizer que nunca mais perderia meu tempo com essa banda de shit.  Mas o De Falla era isso, muitas vezes lançava um álbum e nas apresentações tocava músicas inéditas, um tipo de provocação, ao meu ver, ou uma maneira simples de dizer que  estavam tocando o que queriam tocar e se divertindo. Afinal, isso foi o De Falla nos anos 80.

Hoje o DeFalla, ainda na ativa, conta com oito álbuns de estúdio, dois ao vivo, duas coletâneas, duas fitas demos (raríssimas), que registram sua carreira consolidada no cenário gaúcho e nacional. E assim como diz a letra “Acabou-se o transtorno/Uma grande intervenção/Ontem o que era/ Hoje ainda não”, “Sobre amanhã/Ainda nem pensei/Sobre amanhã/Ainda nem pensei”, sobre o Defalla de amanhã não sabemos.

Marcelo Franco


terça-feira, 18 de abril de 2023

O futuro é vórtex

        



.

Vórtex deriva do latim Vortex, e segundo o dicionário, significa vórtices, forças naturais que causam turbilhões, geralmente causadas pelo fluxo do ar e nuvens e que frequentemente ocasionam grandes estragos. Tempestades de poeira, bicos de água, tornados e furacões são alguns exemplos. Mas na verdade eu não estou aqui para falar da etimologia da palavra, minha intenção é trazer um pouco da história da banda “Os Replicantes” que além de ter uma música chamada “O futuro é vórtex”, também foi responsável por um bar/gravadora/produtora/estúdio com o nome “Vórtex”, em meados dos anos 80 .

Os Replicantes é uma banda que nasceu nas entranhas dos subúrbios de Porto Alegre, sendo referência no estilo de música hard-core dos pampas. Se você não conhece, com certeza seus pais devem conhecer o refrão “Ah surfista calhorda, Vai surfar na outra bordaaaa”, foi um hit que tocava direto nas rádios portoalegrenses. No início a banda era formada por Wander Wildner (vocais), Cláudio Heinz (guitarra), Heron Heinz (baixo) e Carlos Gerbase (bateria). Um ponto interessante é que quando a banda iniciou, nenhum dos integrantes tinha intimidade com os instrumentos, mas seguiram a linha do “punk” do it yourself - faça você mesmo. A banda se inspirou nas bandas clássicas do punk rock, como Sex Pistols, Ramones, Dead Kennedys, Undertones, The Clash, entre outras… 

Segundo os próprios, tudo começou no verão de 1983, quando eles resolveram se juntar e fazer uma banda.  No princípio Claudio, Heron e Carlos resolveram começar a tocar, Wander foi o último integrante a se juntar à banda. Enfrentaram todo tipo de dificuldade que uma banda underground pode encontrar no início de carreira, pois o início da história dos quatro guris de Porto Alegre não foi diferente. Mas, por uma condição do destino, os Replicantes foi uma banda que deu mais que certo. Segundo Carlos Miranda, um famoso produtor musical, a primeira vez que viu a banda tocando, disse que a banda era puro barulho, algo ideal para o estilo punk-rock. 

Com uma sonoridade barulhenta, “cru” e direta, eles seguiram ganhando espaço na mídia, indo contra programas que faziam play-back e aceitando tocar somente em locais que pudessem tocar de maneira real (dando muita dor de cabeça para as gravadoras e produtoras). Com um seguimento de letras politizadas e sobre assuntos cotidianos, a banda seguiu e se renovou através dos tempos. Passou por algumas alterações de integrantes, e ainda hoje a banda segue firme e forte em suas convicções e ideologias. Defensores da bandeira da liberdade de expressão e da ideologia anti-fascista, sua carreira sólida pode ser conferida através de nove LPs de estúdio, um álbum ao vivo, cinco coletâneas e quatro videografias. Isso sem contar as piratarias que costumam “rolar” por aí.

Em outubro de 2022 tive a felicidade de poder conferir a banda ao vivo no bar Opinião, onde clássicos como “Sandina”, “Festa Punk”, “Surfista Calhorda”, “Só mais uma chance”, “Hippie-Punk-Rajneesh”, “Nicotina”, "Chernobyl", “Ele quer ser Punk”, “O futuro é Vortex”, “Maria Lacerda”, entre tantas outras “pedradas sonoras” foram tocados com a mesma pegada e empolgação de sempre. Hoje a banda conta com os vocais de Julia Barth e nas baquetas Cléber Andrade, ex roadie da banda, além dos irmãos Cláudio  Heinz e Heron Heinz respectivamente guitarra e baixo. O futuro é Vórtex. Vida longa ao Punk-Rock. Vida longa ao Hard-core. Vida longa aos Replicantes. 

Marcelo Franco



Haicais em Cidreira

HAICAIS VeJo senTido no Meu desaPreÇo, Saudades No meU deSapeGo, Apego nO meU reCoMeçO. aManheCeu Em maiS Um diA. Olhos CanSados aPós noiTe ...